Pular para o conteúdo principal

Obedecendo a um ditado chinês -Marina Colassanti

Esquecida das juras de amor, ela se fora rompendo o noivado. E de um dia para o outro ele vira desaparecer seus destino, o único que havia querido, junto dela. Adiante, nada havia. A não ser o desejo de vingança que sentia nascer em si, e lentamente mergulhar raízes ancoradas nas lembranças. Desejo este que, mortos todos os outros sentimentos, bem poderia alimentar uma vida.Com a singeleza de um monge caminhou pelos campos, até encontrar o rio. Ali postou-se. E envolto num manto, preparou-se para a espera do dia em que, carregado pelas águas, passasse enfim o cadáver da mulher.Notícias dela lhe chegavam de tempo em tempo, trazidas por viajantes. Casara, tivera filhos, em seu quintal crescia uma buganvília roxa. Um dia soube que o marido a havia trocado por outra. Pensou que talvez não resistisse ao sofrimento. E inquietou-se na margem, esperando vê-la surgir. Mas ela não veio naquelas águas, nem nas águas mais turvas que desciam depois das chuvas de inverno. E o rio havia percorrido várias vezes seu comprimento, quando vieram lhe contar que o filho dela havia sido condecorado na guerra, e já tinha também seus próprios filhos.Constante, sem desgaste ou velhice, renovava-se o fluxo, enquanto ele sentia a umidade infiltrar-se em seu corpo, aquela mesma água correndo nos ossos, encharcando as mucosas, liquefazendo aos poucos sua resistência. Rosto encovado, gestos inseguros, ainda se aproximava porém dos peixes, entre seixos e juncos, na época das secas. Mas foi durante a enchente, quando chapinhando na lama se sentia mais fraco e cansado, que de repente, na bruma da manhã, um corpo surgiu boiando na curva do rio.Pela primeira vez desejou apressar corrente. Vem! Vem! suplicava todo o seu ser pretendido, acesas as últimas forças. E debruçado sobre a margem, aguçou o olhar para ver aquela que há tanto esperava. Mas debaixo do manto que o envolvia, o corpo não era de mulher. E entre cabelos e barbas brancas viu com o espanto o rosto de um ancião, o seu próprio rosto que flutuava de olhos fechados, levado pela água escura.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Redação Unioeste - Comentário interpretativo/crítico

Como escrever um comentário interpretativo-crítico? Primeiramente devemos considerar as partes que compõem o gênero: Comentar significa escrever sobre algo que se leu, interpretar é retirar a ideia base e o tema do texto original e criticar é analisar baseado em argumentos sobre a temática. É de bom tom que se faça um apresentação inicial do texto-base ou charge (comum na Unioeste), introduzir o tema para situar o leitor, após a introdução, escreve-se dois parágrafos de argumentos que sustentem a problemática apontada no texto, de que forma o autor tratou o tema, é relevante para a sociedade? Na conclusão aponta-se caminhos para a solução e reflexões pessoais fundamentadas. Neste gênero, diferentemente do artigo de opinião, o tema não está claro e precisa ser interpretado pelo comentarista. Deve-se levar em consideração as seguintes perguntas: i) O que é que o texto diz? ii)Como o texto diz? iii) O que o texto me diz? Faça uma análise crítica inicial do texto base, apresente-o ao leit

Modelo de comentário crítico - interpretativo UNIOESTE ( A proposta base era uma Charge que questionava o preconceito)

Lembrando que este é um exemplo meramente ilustrativo de como escrever e tecer comentários ou posicionamentos sobre determinado assunto que a banca nos oferece. A temática retratada em charges e tiras muitas vezes retrata a realidade social em que vivemos, quando se trata de conceitos como “raça”, “etnia” ou credo, tudo se complica, é o que nos apresenta Alexandre Beck. Muito se fala sobre a discriminação racial no Brasil, mas o que é e até onde se pode considerar como preconceito? Essa é a pergunta que muitos fazem, mas quase ninguém tem uma resposta plausível ou, no mínimo, interessante. A verdade é que esse é um assunto muito sério e deve ser discutido. Chegamos a uma época em que a pseudodemocratização vem perdendo forças para um início de ditadura legislativa, ou seja, uma ditadura em que se começa com a própria lei. O nosso ilustríssimo ex-presidente Lula aprovou uma lei que garante o encarceramento de uma pessoa que ofende ou discrimina a condição racial de outra pessoa, se e

Texto e Contexto: O que precisamos saber

Texto: familiar a qualquer pessoa (cotidiano, escola...) Redija um texto Expressões texto bem elaborado Texto ruim, o redator 1ª consideração: o texto não é um aglomerado de frases. E, cada frase que o compõe não possui um significado autônomo. Boa leitura --> levar em conta o contexto em que a passagem está inserida para não ser equivocada. Contexto: unidade linguística maior onde se encaixa uma unidade linguística menor. Frase encaixa-se no contexto do parágrafo Parágrafo encaixa-se no contexto do capítulo Capítulo encaixa-se no contexto da obra 2ª consideração: todo texto contém um pronunciamento dentro de um debate de escala mais ampla. Texto não é peça isolada, mas serve para marcar uma posição, participar de um debate social. Pronunciamento --> qualquer texto, por mais objetivo e neutro que pareça, manifesta sempre um posicionamento frente a uma questão qualquer posta em debate. --> Nunca pode basear-se em fragmentos isolados Conclusão: boa leitura